segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Penpal: Amigos (Parte Final)

Está série me proporcionou uma ótima experiência, me fez se aprofundar na narrativa, e vivenciar a história ao ponto de perder o fôlego lendo, e então, decidi compartilhar ela com vocês aqui no blog. Esta história foi postada originalmente no Reddit por um usuário chamado "1000Vultures", porém a li em outro blog ao qual admiro bastante, o Creepypasta Brasil, e a tradução das histórias foram realizados pelos administradores de tal blog. Dou crédito especial a Divina Lopes, ao qual traduziu praticamente toda a série. Esta é a última de seis histórias escritas pelo mesmo autor, desejo-lhes uma boa leitura, em breve estarei trazendo novas séries para vocês.


[...]

No primeiro dia do jardim de infância, minha mãe queria me levar de carro para a escola; Ambos estávamos nervosos e ela desejava estar comigo no momento em que eu entrasse na sala de aula. Demorei um pouco mais do o que o costume para me arrumar de manhã, por conta do braço engessado. O gesso ficava alguns centímetros acima do meu cotovelo, o que significava que, ao tomar banho, tinha que cobrir o braço inteiro com um tipo especial de sacola de látex. A sacola era feita com intuito de apertar em torno da abertura, assim vedando e evitando que a água entrasse e destruísse o gesso. Depois de um tempo comecei a colocar aquilo sozinho, pois isso não era tão difícil. Mas, naquela manhã por conta da ansiedade ou do nervosismo, não apertei o suficiente e, no meio do meu banho, pude sentir a água se acumulado entre meus dedos por dentro da sacola. Pulei para fora do chuveiro e tirei a proteção de látex, mas podia sentir que o gesso que antes era rígido estava macio por ter absorvido água.

Não há nenhuma maneira de limpar a área entre a pele e o gesso e, por causa disso, a pele morta que normalmente caí, fica acumulada ali dentro. Quando o gesso fica com umidade tipo o suor, produz um odor e, aparentemente, este cheiro é proporcional à quantidade de umidade, porque logo que comecei a tentar secar, fiquei impressionado com o fedor de podre que saía de lá. Enquanto esfregava continuamente com a toalha, o gesso começou a se desintegrar. Comecei a ficar cada vez mais angustiado - estava me esforçando o máximo que uma criança podia em relação ao seu primeiro dia de aula. Na noite anterior, tinha sentado com minha mãe para escolher minhas roupas; Tinha demorado uma eternidade para escolher qual mochila comprar; e estava extremamente animado para mostrar para todos coleguinhas minha lancheira das Tartarugas Ninjas. Por causa da minha mãe, tinha caído no habito de chamar de "amigos" essas crianças que nem se quer tinha conhecido ainda, mas com as condições de meu gesso piorando, fiquei profundamente depressivo com a ideia que certamente não conseguiria chamar verdadeiramente ninguém de amigo no final daquele dia.

Derrotado, mostrei para minha mãe.

Demorou cerca de 30 minutos pata tirar a maior parta da umidade enquanto tentávamos preservar o resto do gesso. Para resolver o problema com o fedor, minha mãe cortou tiras de sabonete e enfiou dentro do gesso,  esfregando por fora com o que tinha sobrado do sabonete na tentativa de encasular o cheiro rançoso que vinha de dentro e mascará-lo com um mais agradável.
Quando chegamos no colégio, meus colegas já estavam engajados em sua segunda atividade do dia, então fui aleatoriamente colocado em um dos grupos. Não explicaram para mim o que tinha de ser feito naquela atividade e em cinco minutos tinha quebrado várias regras, fazendo com que todos os membros do meu grupo fossem reclamar com a professora e perguntar o porquê que eu tinha de estar no grupo deles. Tinha levado uma caneta permanente para a escola na esperança de conseguir outras assinaturas ao lado da de minha mãe no  gesso mas, de repente, me senti bobo por se que ter colocado a caneta no meu bolso mais cedo.

Os alunos do jardim de infância tinham um horário onde almoçavam sem as outras crianças de outras séries nesta escola primária, mas só podíamos sentar em mesas especificas, então pelo menos não tinha que me sentar sozinho. Estava constrangido, mexendo no gesso, quando um garoto sentou perto de mim.

"Gostei da sua lancheira," ele disse.

Percebi que ele estava zoando da minha cara e isso me deixou  com muita raiva; na minha cabeça, a lancheira era a única coisa boa daquele dia. Fiquei olhando para o meu braço, e senti meus olhos queimarem das lágrimas que tentava segurar. Olhei para cima para pedir que me deixasse em paz, mas antes que pudesse formar as palavras em minha boca, vi algo que me fez parar.

Ele tinha a mesma lancheira.

Eu ri. "Gostei da sua lancheira também!".

"Acho o Michelangelo o mais legal," ele disse enquanto fazia movimentos como se estivesse lutando com um Tchaco imaginário.

Eu estava prestes a rebater dizendo que o Raphael era o meu preferido quando ele bateu sem querer na caixa de leite aberta na mesa e derrubou tudo em seu próprio colo.

Tentei com todas minhas forças segurar o riso, sendo que não o conhecia direito, mas a minha cara devia estar muito engraçada enquanto prendia a risada, porque ele começou a rir primeiro. De repente, não me sentia mais tão mal por causa do gesso. Então tentei a sorte.

"Ei, quer assinar meu gesso?"

Enquanto pegava a caneta, me perguntou como tinha quebrado o braço. Falei que tinha caído da árvore mais alta do meu bairro; ele pareceu ficar impressionado. Fiquei vendo-o escrever seu nome demoradamente, e quando  terminou perguntei o que estava escrito.

"Josh", ele disse.

Josh e eu almoçávamos juntos todos os dias e, quando dava, participávamos dos mesmos grupos em trabalhos escolares. Ajudei-o com sua caligrafia e ele levou a culpa por mim quando eu escrevi  "Peido!" na parede com caneta permanente. Fiz amizade com outras crianças, mas sabia que Josh era meu único amigo verdadeiro.

Trazer uma amizade feita no pré para sua "vida real" quando se tem cinco anos de idade é mais difícil do que a maioria se lembra. No dia em que soltamos nossos balões nos divertimos tanto juntos que perguntei para Josh se ele queria ir na minha casa no dia seguinte para brincar. Ele disse que traria alguns de seus brinquedos; Eu disse que podíamos explorar o bosque e até nadar no lago. Quando cheguei em casa perguntei para minha mãe e ela disse que seria ótimo. Meu entusiasmo não tinha limites, até que percebi que não teria como entrar em contato com Josh. Passei todo o final de semana achando que nossa amizade seria desfeita na segunda-feira. 

Quando o vi depois do final de semana, fiquei aliviado que ele também não tinha meu telefone e acho que isso tinha sido no mínimo engraçado. Mais tarde naquela semana, nós dois lembramos de escrever nossos números de telefone em casa e trocá-los na escola. Minha mãe conversou com o pai de Josh,  e foi decidido que minha ela nos buscaria na escola naquela sexta. Nossos pais alternavam quem buscaria e em que casa passaríamos o final de semana, e o fato de morarmos tão perto um do outro fez com que as coisas fossem tão fáceis para eles que pareciam trabalhar constantemente.

Quando minha mãe e eu nos mudamos para o outro lado da cidade no final da minha primeira série, eu jurava que nossa amizade tinha chegado ao fim; enquanto íamos embora de carro, saindo da casa que tinha vivido toda minha infância, senti uma tristeza que sabia não ser só por causa da casa; eu estava dizendo adeus ao meu amigo para sempre. Mas, Josh e eu - para minha surpresa e felicidade - continuamos próximos.

Apesar do fato de passarmos a maior parte do tempo separados e só nos encontrarmos nos finais de semanas, continuamos muito parecidos enquanto crescendo. Nossas personalidades se fundiram, nosso senso de humor eram idênticos e as vezes começávamos a gostar das mesmas coisas ao mesmo tempo, sem ter falado para o outro. Nós até tínhamos a voz parecida; as vezes Josh chamava minha mãe tentando me imitar e enganava-a quase todas as vezes. Minha mãe brincava que a única coisa que a fazia saber quem era quem, era o cabelo - ele tinha os cabelos loiro-sujo e lisos como os de sua irmã, enquanto eu tinha cachos castanho escuro como os de minha mãe.

Qualquer um pensaria que o que quer que separasse dois jovens amigos, seria algo fora do controle deles; entretanto, acho que a fonte de nossa separação gradual foi minha insistência em fugir para procurar Caixas em minha antiga casa. Na semana seguinte de todo o acontecimento, chamei Josh para dormir na minha casa para continuar com a tradição de alternações de casas, mas ele disse que não estava muito afim. Começamos a nos ver muito menos; de uma vez por semana passou para uma vez no mês, e depois uma vez em cada três meses.

Para meu aniversário de 12 anos, minha mãe decidiu fazer uma festa para mim. Ela não tinha ideia de quem convidar, então não foi surpresa; não tinha feito muitos amigos uma vez que tínhamos nos mudado a pouco tempo. Fiz uma lista com alguns garotos do colégio e Josh, para ver se ele gostaria de vir. A princípio disse que não poderia ir, mas um dia antes da festa me ligou e disse que iria. Fiquei muito empolgado porque fazia meses que não nos víamos.

A festa foi bem legal. Minha maior preocupação era que Josh e os outros garotos não se gostassem, mas eles pareciam se dar bem o suficiente. Josh estava surpreendentemente quieto. Ele não me trouxe presente e pediu desculpas por isso, mas falei que não tinha problema - estava feliz só por ter vindo. Tentei conversar com ele várias vezes, mas nossas conversas sempre pareciam entrar em becos sem saída. Perguntei o que havia de errado; comentei que não entendia porque as coisas andavam tornado-se estranhas entre nós dois - nunca tinha sido assim antes. Costumávamos passar os finais de semana junto e sempre conversar no telefone. Perguntei o que tinha acontecido com a gente. Ele olhou para cima e disse:

"Você foi embora."

Logo depois que ele falou isso minha mãe gritou do outro cômodo que era hora de abrir os presentes. Forcei um sorriso e andei até a sala de jantar enquanto todos cantavam "Parabéns para você". Havia alguns presentes embrulhados e vários cartões, sendo que a maioria da minha família morava em outro estado. No geral, os presentes eram bobos e esquecíveis, mas me lembro que Brian me deu um brinquedo da Mighty Max em formato de cobra que mantive em meu quarto por muitos anos. Minha mãe insistiu que eu abrisse cada cartão e agradecesse cada pessoa que tinha me dado um, porque, anos antes, em uma manhã de natal, abri os presente e cartões com tanto vigor e ferocidade que destruí qualquer possibilidade de descobrir quem tinha me dado o que ou quanto de dinheiro. Separamos os presentes que tinham chego por correio e os que meus amigos tinham trazido para festa, pois não seria nada legal  os convidados terem de ficar me vendo abrir cartões de pessoas que eles nem se que conheciam. Maioria dos cartões de meus amigos tinha alguns dólares dentro, e os de minha família continham notas maiores.

Um dos envelopes não tinha meu nome, mas estava na pilha então abri. O cartão tinha umas flores na parte da frente e parecia ser um cartão que já tinha sido enviado para alguém pois estava um tanto sujo e agora o dono estava reutilizando-o para o meu aniversário. Na verdade, achei até legal que estava sendo reenviado porque sempre achei boba a ideia de dar cartões. Não virei o cartão para que o dinheiro não caísse quando fosse aberto, mas a única coisa dentro era uma mensagem impressa.

"Eu te amo."

Seja lá quem tivera me enviado esse cartão não tinha escrito nada dentro, mas tinha circulado a mensagem várias vezes com um lápis.

Dei uma risada e disse, "Nossa, obrigada por esse lindo cartão, mãe!"

Ela me olhou confusa e então olhou para o cartão. Disse que não tinha sido a remetente e achou divertido ver meus amigos olhando um para o outro tentando descobrir quem tinha feito aquela brincadeira. Nenhuma das crianças se acusou, então ela disse:

"Não se preocupe, filho. Pelo menos agora você sabe que duas pessoas te amam."

Depois de falar isso ela me deu um beijo na testa extremante demorado que fez com que as pessoas antes confusas ficassem histéricas. Todos riam, então podia ser qualquer um deles, mas Mike parecia ser o que mais ria. Para participar da piada ao invés de ser ela, falei para ele que só porque tinha me dado o cartão não devia achar que eu receberia seu beijo mais tarde também. Todos rimos, e quando olhei para Josh,finalmente ele estava sorrindo.

"Bem, acho que esse presente foi o vencedor, mas você tem mais alguns para abrir."

Minha mãe me alcançou outro presente. Eu ainda sentia minha barriga doer de tanto rir enquanto rasgava o papel colorido. Quando vi o presente não senti mais necessidade de rir. Meu sorriso saiu do rosto quando vi o que tinha recebido.

Era um par de walkie-talkies.

"Bem, mostre para todos!"

Levantei a caixa em direção aos meus amigos e todos pareciam aprovar o presente, mas quando olhei Josh, vi que ele tinha ficado pálido, como se estivesse enjoado. Olhamos nos olhos um do outro por alguns segundo e então ele saiu para a cozinha. Vi ele digitar um número no telefone enquanto minha mãe sussurrou no meu ouvido que sabia que Josh e eu não nos falávamos tanto desde que os walkie-talkies tinham quebrado, então achou que eu gostaria de novos. Fiquei muito feliz com a tentativa de ajuda para nos aproximar da minha mãe, mas esse sentimento foi substituído facilmente pelas Memórias que tinha lutado para enterrar voltando a tona.

Enquanto todos comiam bolo, perguntei à Josh para quem ele tinha ligado. Disse que chamara seu pai para buscá-lo, pois não estava se sentindo muito bem. Entendi que ele queria ir embora, mas falei que queria poder ficar mais tempo com ele. Dei um dos walkies para ele, mas ele não aceitou.

Chateado, eu disse, "Bem, obrigado por vir, eu acho. Espero te ver antes do meu próximo aniversário".

"Me desculpa... Vou tentar ligar para você com mais frequência. Vou mesmo."

A conversa empacou enquanto esperávamos por seu pai. Olhei para seu rosto. Parecia genuinamente chateado por não ter sido mais esforçado. Seu humor pareceu melhorar por alguma ideia que o veio a mente. Ele disse que sabia o que me daria de presente - talvez demorasse um pouco, mas achou que eu realmente ia gostar. Disse que realmente isso não importava, mas ele insistiu. Parecia com o espírito mais leve e pediu desculpas por ter sido um chato na festa. Disse que estava cansado, - que não estava dormindo muito bem. Perguntei o porquê enquanto ele abria a porta em resposta a buzina do carro de seu pai. Ele acenou e me deu tchau enquanto respondia minha pergunta.

"Acho que sou sonâmbulo".

Essa foi a última vez que vi meu amigo e, alguns meses depois, ele tinha sumido.

Ao longo das últimas semanas a relações entre minha mãe e eu ficaram um tanto mais tensa devido às minhas tentativas de descobrir mais detalhes sobre minha infância. É recorrente o fato de que não se pode saber o quão frágil alguma coisa é, até que essa coisa se quebre, e depois da última conversa com minha mãe, imagino que vamos passar o resto de nossas existência tentando consertar o que tinha levado a vida inteira para construir. Ela tinha colocado tanta energia em me manter seguro, tanto fisicamente quanto psicologicamente, mas acho que as paredes que eram para me manter seguro também protegiam sua estabilidade mental. Enquanto a verdade ia sendo revelada em nosso último encontro, pode ouvir um tremor em sua voz que julguei ser o som de seu mundo desmoronando. Não acho que minha mãe e eu iremos conversar muito mais, e mesmo que há algumas coisas que não entendo, acho que sei o suficiente.

Depois do desaparecimento, os pais de Josh fizeram tudo que podiam para encontrá-lo. Desde o primeiro dia, a policia sugeriu que contatassem para todos os pais dos amigos de Josh para ver se ele estavam com eles. Fizeram isso, claro, mas ninguém tinha o visto ou tinha ideia de onde poderia estar. A polícia tinha sido incapaz de encontrar novidades sobre o paradeiro de Josh, a não ser o fato de que receberam vários telefonemas anônimos de uma mulher que comparava aquilo com um caso de perseguição que acontecera 6 anos antes.

Se as forças da mãe de Josh haviam se afrouxado quando seu filho desapareceu, sumiram totalmente quando a filha morreu. Ela já havia visto muitas pessoas morrendo no hospital, mas era óbvio que isso não a fez ficar indiferente a morte de sua própria filha. Ela visitava Veronica duas vezes no dia enquanto estava se recuperando em um hospital diferente em que trabalhava; uma vez antes do trabalho e outra depois. No dia em que Veronica morreu, sua mãe se atrasou em sair do trabalho, e quando chegou para visitá-la, Veronica já tinha falecido. Isso foi demais para ela e nas semanas seguintes se tornou totalmente instável; costumava vaguear pela vizinhança onde morava gritando para que Josh e Veronica voltassem para casa, e as vezes seu marido encontrava-a vagueando por minha antiga vizinhança no meio da noite - de camisola e procurando por seus filhos.


Devido a deterioração mental de sua esposa, o pai de Josh não conseguia mais viajar a trabalho e começou a aceitar empreitadas que pagavam menos, de modo que pudesse ficar perto de casa. Quando a vizinhança começou a se expandir mais e mais, após mais ou menos três meses da morte de Veronica, o pai de Josh se candidatou a todos os trabalhos e foi contratado todas as vezes. Ele era qualificado para liderar as obras e supervisionar, mas chegou a aceitar uma oportunidade como pedreiro, construindo as estruturas e limpando as imediações das obras, assim como outras coisas que fossem necessárias. Aceitava até os trabalhos mais estranhos que apareciam, tipo; cortar grama, consertar cercas - qualquer coisa que o mantivesse longe de viajar. Começaram a remover as árvores próximas do lago para transformar a terra em propriedade habitável. Ao pai de Josh foi designada a responsabilidade de nivelar a área recentemente desmatada, e este trabalho lhe garantiu várias semanas para se ocupar.

No terceiro dia , ele chegou a um ponto no solo que não conseguia nivelar. Toda vez que ele passava por cima com as máquinas, o lugar continuava mais baixo do que o restante da terra ao redor. Frustrado ele desceu do caminhão para supervisionar a área. Estava tentado a simplesmente encher o buraco com mais terra e seguir adiante, mas sabia que seria apenas uma solução temporária. Ele havia trabalhado tempo demais com construção e sabia que os sistemas de raízes das árvores maiores que haviam sido recentemente arrancadas poderiam eventualmente se decompor, fragilizando o solo, que eventualmente fragilizaria as estruturas das futuras construções. Ele pesou as opções e decidiu cavar um pouco com a pá para descobrir se o problema não era algo simples e raso o suficiente para ser resolvido sem precisar trazer uma máquina de outra obra até ali. E conforme minha mãe me descrevia onde isso era, eu sabia que havia estado lá antes do solo ser danificado e pouco antes dele ser preenchido.

Senti um aperto em meu peito.

Ele cavou um pequeno buraco de mais ou menos um metro até a sua pá colidir com algo duro. Continuou batendo afim de medir a espessura da raiz e a densidade do sistema todo quando de repente a pá atravessou a resistência.

Confuso, cavou o buraco mais amplamente. Após quase meia hora de escavação ele se deparou com uma caixa coberta por um pano marrom, de dois metros por um. Nossas mentes trabalham para evitar divergências, procuramos manter crenças fortes a fim de não sermos pegos por evidências conflitantes que possam afetar nossa percepção de realidade.

Até o próximo momento, invariavelmente do que tudo estava indicando,  - sem se importar que o que estava sustentando sua sanidade era uma pequena parcela sua que ainda acreditava em algo - esse homem acreditava, que sabia, que seu filho ainda estava vivo.

Minha mãe recebeu uma ligação as seis da tarde. Ela sabia quem era, mas não conseguia entender o que ele estava falando. O pouco que ela entendeu foi o que a fez sair imediatamente.

"AQUI... AGORA... FILHO... POR FAVOR, DEUS!"

Quando chegou, encontrou o pai de Josh sentado de costas para o buraco. Estava segurando a pá tão apertado que parecia que ia rompe-la. Estava olhando para a frente com os olhos tão parados e sem vida quanto os de um cadáver. Não respondia nenhuma das palavras dela, e só reagiu quando ela gentilmente tentou tirar a pá de suas mãos.

Ele levou seus olhos até os dela e apenas disse: "Não entendo". E repetia essas palavras como se tivesse esquecido todas as outras. E minha mãe ainda podia ouvi-lo sussurrar conforme se afastava dele e se aproximava do buraco.

Ela me contou que preferia ter arrancado os olhos a ter olhado para a cratera. Disse a ela que sabia o que ela havia visto e que ela não precisava continuar. Olhei para seu rosto e estava em tão intenso desespero que fez meu estômago virar. Percebi que ela sabia disso a quase dez anos e esperava nunca precisar me contar. No fim ela acabou encarando uma imensa dificuldade para colocar em palavras do que havia visto, e, sentado aqui, agora, encontro a mesma dificuldade.

Josh estava morto. Seu rosto afundado para dentro e torcido de tal forma que fazia acreditar que todo o medo, agonia e falta de esperança do mundo havia sido transferido para ele. O desencorajador cheiro de podre subia da cratera, e minha mãe teve de cobrir o nariz e a boca para não vomitar. Sua pele estava rachada, quase crocodiliana, e um fluxo de sangue que havia seguido as linhas de seu rosto havia formado uma mancha na madeira atrás de sua cabeça. Seus olhos estavam meio abertos olhando para cima. Ela contou ter olhado para ele e não acreditar que havia morrido a muito tempo, com efeito, o tempo ainda não havia degradado seu rosto para apagar a dor e a miséria. Contou que era como se ele olhasse direto para ela, sua boca aberta gritando um pedido de socorro muito tardio. O restante do corpo, do pescoço para baixo, não conseguia ser visto.

Um outro alguém estava cobrindo.

Ele era grande e estava de barriga para baixo, em cima de Josh, e conforme minha mãe se esforçava para sua mente aceitar o que estava vendo, ela entendeu o que a posição em que ele se encontrava significava.

Ele estava abraçando Josh.

Suas pernas estavam gélidas pela morte, mas enroladas nas de Josh como alguma árvore terrível. Um de seus braços estava envolto debaixo do pescoço de Josh para envolver seu corpo de modo a ficar o mais próximo o possível.

Conforme a luz atravessava as poucas árvores restantes no campo, algo refletiu na camisa de Josh. Minha mãe parou em um dos joelhos e puxou o colar para si, sempre tampando o nariz e a boca. Quando conseguiu ver o que estava preso no colar suas pernas perderam forças e ela quase caiu na tumba.

Era uma foto...

Uma foto minha quando criança.

Ela tropeçou para trás gaguejando e tremendo, terminando por colidir com o pai de Josh que ainda olhava para o lado oposto do buraco. Ela entendeu porque ele havia chamado-a. Mas ela não conseguia falar a todos o que ela guardava de si mesmo por todos esses anos. A família de Josh nunca soube da noite em que eu acordei no meio da floresta. Ela sabia que deveria ter contado a eles, mas contar agora não ajudaria em nada. Sentada ali, com as costas nas costas do pai de Josh, ele falou.

"Não posso falar para minha esposa... Não posso falar para ela que nosso garotinho..." Sua fala entrecortada e separada pelo choro que caia em suas mãos sujas de terra. "Ela não suportaria...".

Após um momento ele se levantou e andou até a cova. Com um último soluço ele entrou para perto do caixão. O pai de Josh era um homem grande, mas não tão grande quando o homem no caixão. Ele segurou o colarinho da camisa do homem e tentou arrancar de um único movimento o homem da cova, mas a camisa rasgou e ele caiu de volta em cima de Josh.

"SEU FILHO DA PUTA!"

Segurou o homem pelos ombros e o puxou de cima de Josh até endireita-lo de jeito estranho, mas retamente, de costas para uma das paredes do buraco. Olhou para o homem e deu um passo para trás em repúdio.

"Meu Deus... Meu Deus, não, não, não, não, por favor! Deus! NÃO, POR FAVOR."
Em um esforço enorme ele ergueu o homem do chão e ambos ouviram o som do vidro contra a madeira conforme a garrafa caia. Ele pegou-a e passou para minha mãe.

Era éter.

"Ah Josh..." Ele soluçou. "Meu menino... meu garotinho... Porque tem tanto sangue? Porque havia tanto sangue? O QUE ELE FEZ COM VOCÊ?".


Conforme minha mãe olhava para o homem que agora estava virado para cima, ela percebeu que estava olhando para a pessoa que havia nos apavorado nossas vidas por mais de uma década. Ela havia imaginado tantas vezes, tantas vezes, sempre como algo mal e terrível, e o choro do pai de Josh parecia confirmar seus maiores medos. Olhando para aquilo ela se surpreendeu por não ser nada do que ela pensava que fosse, por ser apenas um homem.

Vendo sua gélida expressão, podia-se até dizer que ele parecia sereno. Os cantos de seus lábios estavam virados para cima apenas pouco o suficiente para se distinguir um sorriso. Não o sorriso esperado de um maníaco de um filme de terror, não o sorriso de um demônio, ou de um animal. Era um simples sorriso de satisfação e contentamento. Um sorriso de alegria.

Era um sorriso de amor.

Olhando para o corpo ela viu um buraco no pescoço do homem onde a pele havia sido arrancada. Em primeiro lugar ela ficou tranquila em perceber que não era o sangue do Josh. Talvez ele houvesse sofrido menos. Mas seu conforto durou pouco quando ela percebeu o quanto errada estava. Ela levou a mão até a boca e suspirou, quase como se ela estivesse com medo de lembrar a todo mundo o que havia acontecido.

"Eles estavam vivos."

Josh deve ter mordido o pescoço do homem para poder se libertar, e mesmo que o homem tenha morrido Josh não conseguia se livrar dele. Comecei a chorar quando pensei em quanto tempo ele pode ter ficado lá embaixo.

Ela procurou pelos bolsos do homem por algum tipo de identificação, mas só encontrou um pedaço de papel, no qual só havia um desenho de um homem de mãos dadas com um pequeno menino. Do lado do menino estavam umas letras iniciais.

Eram minhas iniciais.

Gosto de acreditar que ela estava lembrando daquela parte da história de maneira errada, mas eu nunca vou saber.

Conforme o pai de Josh carregava o corpo do filho para fora da cova minha mãe guardava o pedaço de papel dentro do bolso. Ele continuava falando que o cabelo de seu filho havia sido tingido. Ela chegou a ver mesmo - viu que agora era marrom escuro, e que as roupas que ele estava vestindo eram pequenas demais para ele. Quando o pai de Josh pôs o corpo do filho no chão do lado de fora da cova começou a procurar em seus bolsos até ouvir um barulho. Com cuidado retirou um pedaço de papel dobrado. Ele olhou mas pareceu muito confuso. Sem entender nada, ele passou para minha mãe. Ela também não reconheceu. Perguntei o que era.

Ela me disse que era um mapa. Senti meu coração se despedaçar. Ele estava terminando o mapa - deve ter sido sua ideia de presente para meu aniversário. Estava me esforçando muito para não acreditar no fato dele ter sido levado enquanto estava expandido o mapa - como se isso importasse de alguma forma agora.

Ela ouviu o pai de Josh grunhir e se virou para vê-lo ir até o caminhão pegar um galão de gasolina e por do lado do buraco. Jogou o corpo do homem lá dentro e falou para minha mãe.

"Você deveria ir".
"Me desculpe."
"Não é sua culpa, eu fiz isso."
"Você não pode pensar dessa maneira, não havia nada que você podia ter fei..."

Ele a interrompeu quieto, quase sem emoção. "Eu fiz isso. Um mês atrás um cara se aproximou de mim quando eu estava limpando o campo a uma rua daqui. Ele me perguntou se eu queria fazer um dinheiro extra, e devido a minha esposa não trabalhar mais, aceitei. Ele disse que umas crianças tinham cavado um monte de buracos na sua propriedade e que ia me pagar 100 dólares para tapá-los. Ele disse que queria tirar umas fotos para a companhia de seguros antes, mas que se eu passasse lá pelas 5 da tarde no dia seguinte estaria tudo bem. Achei que esse cara fosse um otário desde o começo uma vez que eventualmente iríamos nivelar o terreno e alguém teria de tapar os buracos, mas aceitei porque precisava do dinheiro. Nem achei que ele tivesse mesmo os 100 dólares, mas ele pôs a nota na minha mão e eu fiz o serviço no dia seguinte. Estava tão exausto que não prestei atenção no que fazia, não prestei atenção no que aconteceu depois, até hoje quando tirei o mesmo cara de cima do meu filho."

Ele apontou para a cova e suas emoções começaram a rachar sua casca em soluços.

"Ele me pagou 100 dólares para eu enterrar ele com o meu filho..."

Era como se falar aquilo em voz alta o forçaria a aceitar o que aconteceu. Caiu de joelhos no chão e começou a chorar. Minha mãe não podia pensar em nada para falar durante o silêncio que parecia ter durado uma vida toda. Ela finalmente perguntou o que ele ia fazer sobre Josh.

"Seu lugar final de descanso não vai ser aqui com esse monstro."

Quando ela entrou no carro pode ver pelo retrovisor a fumaça preta se erguendo aos céus e esperou contra todas as esperanças que os pais de Josh ficassem bem.

Sai da casa de minha mãe sem dizer mais nada. Disse a ela que a amava e que falaria logo com ela, mas não sei o que logo significa para nós. Entrei em meu carro e fui embora.

Entendo agora que os eventos da minha infância acabaram anos atrás. Como um adulto, agora vejo as conexões que foram perdidas quando eu era criança, quando costumava ver o mundo em imagens aleatórias ao invés de uma sequência. Pensei sobre Josh. Amava ele, e ainda o amo. Sinto mais saudades dele agora que sei que nunca o verei de novo, e me encontro desejando que houvéssemos nos abraçado na última vez que nos vimos. Pensei sobre os pais de Josh - o quanto eles haviam perdido e o quão rápido vieram essas perdas. Eles não sabem da minha conexão com nada disso, mas eu nunca poderia olhar nos olhos deles agora. Pensei sobre Veronica. Só vim a conhecê-la mais tarde em minha vida, mas naquelas curtas e pequenas semanas tenho certeza que consegui amar ela. Penso em minha mãe. Ele tentou tanto me proteger e foi muito mais forte do que eu poderia ser. Tentei não pensar sobre o homem e no que ele fez com Josh por mais de dois anos.

No mais, só pensei sobre Josh. As vezes eu penso que teria sido melhor para ele se eu nunca tivesse sentado com ele no Jardim de Infância; que ele nunca houvesse me dado a oportunidade de ter um amigo de verdade, As vezes gosto de sonhar que ele está num lugar melhor, mas é apenas um sonho, E Eu sei disso. Esse mundo é cruel e as pessoas o tornam um lugar mais cruel ainda. Não haverá justiça para meu amigo, não haverá um confronto final, não haverá vingança; Se passou quase uma década para todos, menos para mim.

Sinto saudades, Josh. Peço desculpas por você ter me escolhido, mas sempre vou lembrar com carinho de nossas memórias.

Nós éramos exploradores.

Nós éramos aventureiros.


Nós éramos amigos.

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