segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Penpal: Telas

Está série me proporcionou uma ótima experiência, me fez se aprofundar na narrativa, e vivenciar a história ao ponto de perder o fôlego lendo, e então, decidi compartilhar ela com vocês aqui no blog. Esta história foi postada originalmente no Reddit por um usuário chamado "1000Vultures", porém a li em outro blog ao qual admiro bastante, o Creepypasta Brasil, e a tradução das histórias foram realizados pelos administradores de tal blog. Dou crédito especial a Divina Lopes, ao qual traduziu praticamente toda a série. Esta é a quinta de seis histórias escritas pelo mesmo autor, se você ainda não leu a primeira clique aqui, se não leu a segunda clique aqui, se não leu a terceira clique aqui, se não leu a quarta clique aqui, desejo uma ótima leitura.

[...]

Eu venho intencionalmente retendo alguns detalhes de muitas das minhas histórias. Deixei minhas esperanças relativa à como as coisas deveriam ser influenciar minha avaliação de como elas realmente são. Acho que não há mais motivos para fazer isso.

No final do verão entre o jardim de infância e a primeira série peguei uma virose de estomago. Esta tinha todos os componentes de uma virose comum; entretanto, como era de estomago, você vomita em um balde e não na privada, pois esta sentada nesta ao mesmo tempo - a doença fica saindo pelas duas saídas. Isso durou por uns 10 dias, mas antes de ter passado foi concedida um extensão em forma de conjuntivite. Minhas pálpebras estavam tão grudadas uma na outra pela secreção seca gerada durante a primeira noite que, no primeiro dia que acordei com a infecção, achei que tinha ficado cego. Quando comecei a primeira série tinha uma dobra no pescoço de ficar 10 dias deitado e dois olhos inchados e vermelhos sangue. Josh estava em outra turma e não tinha levado meu almoço para comer na sala, então em uma lanchonete com cerca de 200 crianças, eu ainda consegui uma mesa só para mim.

Comecei a manter alguns lanches na minha mochila para comer no banheiro depois do recreio, sendo que a maioria das vezes os garotos mais velhos roubavam minha comida no refeitório quando eu não enfrentava-os, já que ninguém ficava do meu lado. Essa dinâmica continuou mesmo depois de ter me curado por completo, pois ninguém queria ser amigo com o garoto que sofria bullying, para que não comecem a ser agredidos como eu. A única razão para isso ter acabado foi pelas ações de um garoto chamado Alex.

Alex estava na terceira série e era maior do que qualquer outra criança de qualquer outra série. Por volta da terceira semana depois das voltas às aulas, ele começou a sentar comigo no refeitório e isso colocou um fim imediato à escassez do meu estoque de lanches. Ele era legal, mas parecia ser um pouco lento; nós nunca tínhamos tido uma conversa longa, até que finalmente decidi perguntar o porquê  ele começara a sentar comigo.  

Ele era apaixonado pela irmã de Josh, Veronica.

Veronica estava na quarta série e, provavelmente, era a menina mais bonita da escola. Mesmo com seis anos de idade e entendendo completamente que meninas eram nojentas, eu ainda sabia o quão bonita ela era. Quando ela estava na terceira série, Josh me contou que dois meninos tinham entrado em uma luta corporal por causa de uma discussão sobre qual era o real significado da mensagem que ela tinha escrito no livro anual da escola. Um dos garotos acertou com o canto do livro anual na testa do outro e a ferida foi tão grande que ele teve de levar pontos. Embora não fosse um desses garotos, Alex queria que ela gostasse dele e confessou que sabia que Josh e eu éramos melhores amigos. Deduzi que ele esperava que eu transmitisse sua aparente filantropia à Veronica  e que presumivelmente ela ficaria tão comovida com seu altruísmo que se interessaria por ele. Se eu contasse isso para ela, ele continuaria a sentar comigo o tempo que fosse ainda preciso.

Por conta que isso aconteceu na época em que Josh ficava mais na minha casa para construir a jangada e navegar no lago comigo, não tive a oportunidade de conversar com ela pois simplesmente não tínhamos mais nos encontrado. Lembro de Josh chamando-a de "corvo feio". Nunca falei nada, mas me lembro se querer dizer que ela era bonita e um dia seria linda.

Eu estava certo.

Com 15 anos, fui ver um filme com uns amigos em um lugar que chamávamos de o Cinema Sujo. Provavelmente, tinha sido legal em algum momento, mas o tempo e o abandono tinham detonado o lugar severamente. Esse cinema tinha mesas e cadeiras moveis em um piso plano então, quando estava cheio, haviam poucos lugares onde você pudesse sentar e ver toda a tela. O cinema ainda estava aberto, imagino, por três razões: 1) era barato ver filmes lá; 2) eles apresentavam um filme cult diferente duas vezes por mês à meia-noite; e 3) Eles vendiam bebidas alcoólicas para menores nas sessões da meia-noite. Fui nos dois primeiros, e naquela noite eles estavam apresentando Scanners de David Cronenberg por um Dólar.

Meus amigos e eu estávamos sentados bem no fundo. Queria sentar mais na frente para ter uma visão melhor mas Ryan havia conduzido o bando, então cedi. Alguns minutos antes do filme começar, um grupo de meninas entrou. Todas eram muito bonitas, mas qualquer beleza era ofuscada pela garota de cabelos loiro-sujo, mesmo que eu tivesse visto apenas um vislumbre de seu perfil. Quando ela se virou para mover sua cadeira, consegui ver todo seu rosto e isso me deu borboletas no estomago - era Veronica.

Não a via fazia muito tempo. Josh e eu não visitávamos a casa um do outro tanto depois do incidente em que entramos na minha antiga casa quando éramos mais novos e normalmente quando eu ia visita-lo, ela tinha saído com as amigas. Enquanto todo mundo estava com os olhos fixados na tela, eu olhava Veronica - desviando o olhar quando o sentimento de estar sendo um esquisitão me vencia, mas essa sensação desaparecia rapidamente e meus olhos voltavam para ela. Realmente era linda, como eu achava que se tornaria. Quando os créditos começaram a rolar, meus amigos se levantaram e foram embora; havia apenas uma saída e  não queriam ficar presos esperando a multidão sair. Demorei-me na esperança de prender a atenção de Veronica. Quando ela e suas amigas passaram, aproveitei a oportunidade.

"Ei, Veronica."

Ela se virou em minha direção, parecendo um pouco assustada.

"Sim?"

Levantei de minha cadeira e andei em direção a luz que saía da porta aberta.

"Sou eu. Amigo de muito de tempo de Josh... Como... Como você está?"

"Ai meu Deus! Oi! Faz tanto tempo!" Ela falou para suas amigas que sairia logo.

"Né, alguns anos pelo menos! Desde a última vez que pousei na casa de vocês. Como Josh está?"

"Ah, é mesmo. Lembro das brincadeiras de vocês. Você ainda brinca de Tartarugas Ninjas com seus amigos?"

Ela riu e eu corei um pouquinho.

"Não. Não sou mais uma criança... Agora brinco de X-man com meus amigos." Eu esperava que ela risse.

E ela riu. "Haha, você é um fofo. Você sempre vem nesses filmes?"

Eu ainda estava processando o que ela me disse.

Ela realmente acha que eu sou fofo? Ou ela quis dizer que sou só engraçado? Será que ela me acha atraente?

De repente percebi que ela tinha me feito uma pergunta, e minha mente tentou entender o que tinha sido.

"SIM!" Disse muito alto. "Sim, eu tento vir sempre... e você?"

"Eu venho as vezes. Meu namorado não gostava desses filmes, mas agora que terminamos pretendo vir sempre daqui pra frente."

Eu estava tentando soar causal, mas falhei. "Ah, legal... Digo, não que vocês tenham terminado! Que você possa vir mais vezes."

Ela riu novamente.

Tentei me recuperar, "Então, você vai vir na semana depois da próxima semana? Eles vão passarDia dos Mortos. É bem legal."

"Sim, vou estar aqui."

Ela sorriu, e eu estava prestes a sugerir que poderíamos sentar juntos quando ela chegou mais perto e me abraçou.
"Foi muito legal ver você," ela disse com os braços me envolvendo.

Estava pensando no que falar que percebi que o problema maior era ter esquecido como se falava. Mas Ryan, que eu podia ouvi-lo se aproximando no corredor, chegou e falou por mim.

"Cara, você sabe que o filme acabou, né? Vamos sair logo daqu- É ISSO AÊÊÊ!"

Veronica me soltou e disse que me veria na próxima vez.  Ela foi saindo do salão enquanto Ryan assobiava um ritmo de música de filme pornô. Fiquei furioso, mas passou logo que ouvi Veronica rindo no corredor.

Dia Dos Mortos não podia chegar tão cedo. A família de Ryan ia sair da cidade, então ele não estaria para nos conduzir e nenhum outro dos meus outros amigos que iriam naquela note tinha carro. Alguns dias antes do filme, perguntei para minha mãe se podia me levar. Ela respondeu quase imediatamente que não, mas insisti até que percebesse o desespero na minha voz. Perguntou porque eu queria tanto ir, sendo que tinha visto o filme anterior e estiei antes de dizer que esperava me encontrar com uma garota lá. Ela sorriu e perguntou brincando se conhecia a garota e relutantemente falei que era Veronica. O sorriso desapareceu de seu rosto e friamente disse "Não".

Decidi que ligaria para Veronica e ver se ela poderia me buscar. Eu não fazia ideia se ela ainda vivia na mesma casa, mas não custava tentar. Mas percebi que, talvez, Josh podia atender. Não falava com ele a quase três anos, e se atendesse era meio óbvio que não podia pedir para falar com Veronica. Me senti culpado por ligar e perguntar por sua irmã e não Josh, mas descartei esse sentimento rapidamente; Josh não me ligava fazia anos também. Peguei o telefone e disquei o número que ainda estava embutido na minha memória por tanto ter discado-o por tantos anos.

Tocou várias vezes antes de alguém atender. Não era Josh. Senti uma mistura de sentimentos: Alívio e frustração - percebi naquele momento que sentia falta dele. Depois dessa semana eu ligaria para falar com ele, mas essa era a única chance que tinha para ver se Veronica me buscaria, então perguntei por ela.

A pessoa disse que eu tinha discado o número errado.

Repeti o número e ela confirmou. Disse que talvez tinham mudado de número e concordei. Me desculpei por perturbá-la e desliguei. De repente, fiquei muito triste que não conseguiria falar com Josh mesmo se quisesse. Me senti terrível por ter ficado com medo que ele atendesse o telefone. Ele tinha sido meu melhor amigo. Percebi que o único jeito de voltar a falar com Josh seria por Veronica, e agora, agora que realmente precisava, tinha outro motivo para ir vê-la.

Alguns dias antes do filme, disse para minha mãe que não estava mais interessado em ir, mas que esperava poder passar a noite na casa de meu amigo Chris. Ela cedeu e naquele sábado me deixou algumas horas antes do filme na frente da casa de Chris. Meus planos eram andar da casa dele até o cinema, sendo que sua casa ficava só a uns 800 metros de lá. Seus pais iam para igreja na manhã de domingo então por isso dormiam cedo, e Chris estava de boa por não vir comigo pois tinha planejado ficar conversando com essa garota que tinha conhecido online. Chris falou que o caminho de volta para a sua casa ficaria anda mais solitário quando ela risse na minha cara por tentar beijá-la, e eu disse para ele tentar não se eletrocutar enquanto tentasse fazer sexo com seu computador.

Saí da casa dele as 23h15m.

Tentei andar em um ritmo tranquilo para chegar lá um pouco antes do filme começar. Estava indo sozinho e não queria ficar andando para lá e para cá no salão esperando. No caminho, percebi que se Veronica fosse, seria muita sorte chegar ao mesmo tempo que ela, então fiquei debatendo comigo mesmo se esperava na frente ou se já entrava. Ambos tinham seus prós e contras. Enquanto pensava nisso percebi que o fluxo constante de luzes de carro que estavam passando por mim durante o caminho tinham sido trocadas por um único farol, sempre parado que se recusava passar. A estrada não estava iluminada por postes de luz, então estava andando na grama com a estrada à um metro para minha esquerda; fui um pouco mais para direita e virei a cabeça por cima de meu ombro para ver o que estava atrás de mim. 

Um carro tinha parado a uns 3 metros atrás de mim.

Tudo que eu podia ver eram os dois faróis da frente brilhando violentamente, quebrando a escuridão. Pensei que fossem os pais de Chris; talvez eles tenham ido dar uma olhada no quarto e viram que eu não estava lá. Não levaria muito para que Chris confessasse meus planos. Dei um passo em direção ao carro, e este começou a andar em um ritmo lento em minha direção. O carro me passou e vi que não era o carro dos pais de Chris ou nenhum que reconhecesse. Tentei ver quem era o motorista mas estava muito escuro e minhas pupilas estavam enfraquecidas pela luz ofuscante de alguns segundos atrás. Minha visão voltou e consegui ver uma enorme rachadura no vidro traseiro do carro enquanto ele dirigia para longe.

Não pensei muito sobre o acontecimento; algumas pessoas acham engraçado assustar os outro - com frequência eu me escondia pela casa e assustava minha mãe, também.

Tinha previsto certo e cheguei lá uns dez minutos antes do filme. Decidi esperar até umas 23h57m lá fora, e isso me daria tempo de procurá-la por dentro do salão se já tivesse chego e entrado. Enquanto considerava a possibilidade dela não aparecer, eu a vi.

Estava sozinha e linda.

Abanei para e andei em direção à ela. Sorrindo perguntou se meus amigos já estavam lá dentro. Falei que eles não tinham vindo e percebi que parecia que estava forçando um encontro. Ela não pareceu se importar ou quando entreguei à ela um ingresso que já tinha comprado. Ela me olhou confusa e eu disse "Não se preocupe, sou rico". Ela riu e entramos.

Comprei um saco de pipoca e dois refrigerantes e passei maior parte do tempo pesando se devia contar o tempo para pegar pipoca ao mesmo tempo que ela só para encostar em sua mão. Ela pareceu gostar do filme e antes que eu percebesse, tinha acabado. Não nos demoramos na sala por conta de ser a seção da meia-noite e o cinema ia fechar, então ficamos na rua.

O estacionamento do cinema era grande pois era junto com o de um shopping que não funcionava mais. Sem querer que a noite acabasse, continuei a conversar com ela enquanto caminhávamos em direção ao  shopping desativado. Quando estávamos prestes a virar uma esquina, olhei para trás e vi que o carro dela não era o único no estacionamento.

O outro tinha uma enorme rachadura na janela traseira.

Meu mal-estar imediatamente mudou para entendimento.

Faz sentido. O motorista dele trabalhar aqui e percebido que eu estava indo para o cinema.

Injetar terror na vida de um fã de terror era muito óbvio.

Andamos pelo estacionamento enquanto conversávamos sobre o filme. Falei que achava que Dia dos Mortos era melhor que Despertar dos Mortos, mas ela recusava concordar. Contei sobre ter tentado ligar para ela no número antigo e sobre o dilema de quem atenderia. Não achou tão engraçado quanto eu, mas pegou meu celular e colocou seu número nele. Comentou que, provavelmente, meu celular era o mais feio que já tinha visto. Sua reação não foi anulada quando disse que nem fotos conseguia receber nele. Liguei para ela para que ficasse com meu número em seu celular e ela o salvou.

Ela contou que estava se formando, mas que não tinha se dado muito bem naquele ano então não tinha certeza se iria para a faculdade. Falei que bastava anexar uma foto dela na aplicação e eles pagariam para que pudessem apenas olhar seu rosto. Ela não riu e achei que talvez tivesse ficado ofendida - talvez pensasse que eu tivesse suposto que  só podia entrar por sua beleza e não por sua inteligência.  Nervosamente olhei para seu rosto e vi que ela estava apenas sorrindo e mesmo sob pouca luz pude ver que estava corando. Eu queria segurar sua mão, mas não o fiz.

Enquanto fazíamos a volta final no shopping e estávamos perto do cinema de novo, perguntei de Josh. Ela falou que não queria falar sobre aquilo. Perguntei se ela sabia se pelo menos ele estava bem e simplesmente disse "Não sei". Deduzi que, em algum ponto, Josh tinha feito uma curva errada na vida e começou a se meter em problemas. Me senti mal. Culpado.

Enquanto voltávamos para o estacionamento notei que o carro com a janela quebrada não tinha sumido e que o dela era o único lá. Ela perguntou se eu queria uma carona e mesmo que não precisasse disse que apreciaria. Tinha tomado uma latinha de refri durante o filme e agora aquilo estava fazendo pressão na minha bexiga. Sabia que podia esperar até chegar na casa de Chris, mas decidi que iria beijá-la quando chegássemos lá, então não queria que nenhuma necessidade biológica apressasse o ato. Seria o meu primeiro beijo.

Não consegui pensar em nenhuma desculpa para esconder o que ia fazer. O cinema já tinha fechado faz tempo então tinha apenas uma opção. Falei que iria para trás do cinema para mijar e que voltaria em "dois pingos". Ficou óbvio que achei que isso era hilário e ela pareceu rir mais de mim do que da piada.

Enquanto estava indo em direção ao cinema, parei e virei para ela. Perguntei se Josh alguma vez tinha mencionado sobre algo legal que um garoto chamado Alex tinha feito por mim. Ela parou um segundo, pensando, e disse que tinha. Perguntou o porque daquela pergunta e falei que não era nada. Josh realmente era um bom amigo.

Quando fui para trás do teatro, percebi que havia uma cerca de arame que se estendia e passava pelas paredes da construção. Da onde eu estava ela ainda podia me ver, e a cerca parecia continuar eternamente. Então decidi que ia apenas pulá-la para sair de vista e voltar o mais rápido possível. Parecia ser um esforço e tanto, mas achei que compensaria. Escalei a cerca e andei um pouco até que ela não conseguisse mais me ver e mijei.

Por um segundo só podia ouvir os grilos na grama atrás de mim e a colisão do liquido com o cimento. Mas esses sons foram cobertos por um barulho que eu ainda consigo ouvir quando tudo está quieto e não há outros barulhos para distrair meu ouvidos.

Ao longe, ouvi um chiado que diminui apenas para ser substituído por uma quantidade de vibrações trovejantes. Rápido o suficiente, percebi o que era.

Um carro.

O barulho do motor começou a ficar mais alto. Então pensei.

Não. Não "mais alto". Mais perto.

Quando me liguei disso comecei a voltar para a cerca, mas antes que pudesse ir sair dali ouvi um grito rápido e o rugir do motor se terminar em um estrondo ensurdecedor. O carro havia batido. Comecei a correr, mas depois de dois ou três passos tropecei em um pedaço de pedra solto no chão e caí feio no chão de concreto - Minha cabeça batendo no canto de uma cadeira quando tombei. Fiquei tonto por uns 30 segundos, mas o ronco do motor voltando a ativa fez com que meus sentidos voltassem e meu equilíbrio foi reativado pela adrenalina. Redobrei meus esforços. Estava preocupado que seja lá quem tivesse batido aquele carro talvez tivesse machucado Veronica. Estava escalando a cerca e vi que só havia um carro no estacionamento. Não vi nenhuma evidência de uma batida. Talvez eu tinha julgado mal sua direção ou proximidade. Enquanto corria em direção do carro de Veronica, minhas orientações mudaram quando vi no que o carro havia batido. Minhas pernas pararam de funcionar quase que completamente.

Era Veronica.

Seu carro estava bloqueando a visão e quando eu dei a volta nele consegui ver.

O corpo dela estava torcido e amassado de um jeito que nenhum livro descreveria o corpo humano. Pude ver o osso de sua canela direita atravessado pelo jeans e seu braço esquerdo estava tão enrolado atrás do pescoço que sua mão estava pousada sobre o seio direito. Sua cabeça estava esticada para trás e sua boca estava totalmente aberta em direção ao céu. Havia muito sangue. Enquanto olhava para ela não conseguia discernir se ela estava de barriga para cima ou para baixo e esta ilusão de ótica me deixou enjoado. Quando você é obrigado a confrontar com algo que simplesmente não consegue acreditar, sua mente tenta convencê-lo de que está sonhando e fornece aquela sensação de que todas as coisas estão movendo em câmera lenta. Honestamente, achei que acordaria a qualquer momento.

Mas não acordei.

Me atrapalhei com meu celular para pedir ajudar, mas não havia sinal. Consegui enxergar o celular de Veronica saindo do que achei ser o bolso da frente de sua calça jeans. Eu não tinha opção. Tremendo, e quando deslizei ele para fora e ela se moveu e engasgou tentando respirar tão violentamente que parecia que estava tentando respirar todo o oxigênio do mundo.

Fiquei tão assustado que cambaleei para trás caindo no asfalto com o celular dela em minha mãe. Ela estava tentando arrumar o corpo para que ficasse de um jeito natural, mas a cada espasmo ou movimento eu podia ouvir o quebrar e a trituração de seus ossos. Sem pensar, me arrastei até ela e coloquei meu rosto perto do dela e falei,

"Veronica, não se mexa. Não se mexa, Ok? Fiquei parada. Não se mexa. Veronica, por favor não se mexa!"

Continuei a repetir aquela frase mas as palavras começaram a se embaralhar enquanto lágrimas caiam de meu rosto. Abri o celular dela. Ainda funcionava e ainda estava na tela em que tinha salvo meu número; quando vi aqui meu coração afundou no peito. Liguei para a policia e esperei com ela, dizendo que ela ficaria bem e me sentindo culpado por mentir cada vez que falava aquilo.

Quando os sons da sirene atravessaram o ar, ela pareceu ficar mais alerta. Tinha ficado consciente desde que a encontrará, mas agora o brilho de seus olhos parecia ter voltado. Se cérebro ainda a protegia da dor; mas agora parecia que estava tomando consciência de algo horrível tinha acontecido com ela. Seus olhos rolaram em minha direção e seus lábios se moveram. Estava  lutando consigo mesma, mas consegui  ouví-la.

"Hhh...Ele...f...fo...foto. Mi...minha foto... ele tirou."

Não entendi o que ela queria dizer, então respondi a única coisa que podia "Desculpa, Veronica".

Fui na ambulância com ela onde finalmente perdeu a consciência. Esperei no quarto em que tinham reservado para ela. Ainda estava com o celular dela então coloquei em sua bolsa e liguei para minha mãe do telefone do hospital. Era por volta das quatro da manhã. Falei que estava bem, mas Veronica não. Ela me xingou e disse que logo viria para cá, mas eu disse que não sairia dali até que Veronica saísse da cirurgia. Ela disse que viria de qualquer forma.

Minha mãe e eu não nos falamos muito. Falei que sentia muito por ter mentido, e ela falou que conversaríamos sobre aquilo mais tarde. Provavelmente teríamos conversado mais naquele quarto se eu tivesse contado para ela sobre Caixas ou sobre a noite da jangada, ou se ela tivesse contado o que sabia. As coisas teriam mudado. Mas sentamos lá em silêncio. Ela disse que me amava e que eu podia ligar para ela quando quisesse ir embora.

Enquanto minha mãe saia, os pais de Veronica chegaram apressados. O pai dela e minha mãe trocaram algumas palavras que pareciam ser muito sérias enquanto a mãe de Veronica conversava com a pessoa atrás do balcão. A mãe dela era enfermeira, mas não trabalhava naquele hospital. Tenho certeza de que ela estava tentando transferir Veronica de hospital, mas nas condições em que se encontrava, era impossível. Enquanto esperávamos, a polícia veio e falou com cada um de nós - contei o que tinha acontecido, eles tomaram algumas notas, e então saíram. Quando saiu da cirurgia, 90% do corpo de Veronica estava coberto por ataduras grossas e brancas. Seu braço direito estava livro, mas o resto dela parecia um casulo. Ela ainda estava sedada, mas me lembrei de como me senti quando coloquei gesso no jardim de infância. Pedi uma caneta para a enfermeira, mas não conseguia pensar em nada para escrever. Dormi em uma cadeira no canto, e fui para casa no dia seguinte.

Voltei todas as tardes durante vários dias. Em algum momento eles colocaram outro paciente no quarto com Veronica e com isso uma tela de divisão para dividir o aposento. Ela não parecia estar se sentindo melhor, mas pelo menos tinha mais momentos lúcidos. Mas mesmo nesses momentos não conversávamos. Sua mandíbula tinha sido quebrada no atropelamento, então os médicos tinham a travado com arame.  Ficava sentado com ela por um tempo, mas não havia muito o que dizer. Levantei e andei até ela. A beijei na testa e ela sussurrou algo entre seus dentes trincados.

"Josh..."

Isso me surpreendeu um pouco, mas olhei para ele e perguntei, "Ele ainda não veio te visitar?"

"No..."

Fiquei muito irritado. Mesmo que Josh estivesse metido em problemas, ele devia visitar sua irmã no hospital, pensei.

Eu estava prestes a expressar isso para ela quando ela falou, "Não... Josh... ele fugiu... Eu devia ter te contado antes."

Senti meu sangue congelar.

"Quando? Quando isso aconteceu?"

"Quando ele tinha 13."

"Ele... Ele deixou algum recado ou algo do tipo?"

"No travesseiro..."

Ela começou a chorar e eu também, mas agora acho que estávamos chorando por razões diferentes. Nesse ponto ainda haviam muitas coisas que não me lembrava da minha infância, e tinha muitas conexões que não havia feito. Falei para ela que tinha que ir, mas que podia me mandar uma mensagem qualquer hora.

Recebi uma mensagem dela no outro dia dizendo que não queria que eu voltasse lá. Perguntei porque e disse que não queria que eu a visse daquela forma de novo. Concordei a contragosto. Conversávamos por SMS todos os dias, mesmo que fizesse isso escondido da minha mãe, sabendo que ela não queria que eu falasse com Veronica. Geralmente suas mensagens eram bem curtas e a maioria apenas respostas das longas mensagens que eu enviava. Tentei ligar para ela uma vez, tenho certeza que ela conseguia ver quem a ligava, mas esperava poder ouvir sua voz; atendeu mas não falou nada - Eu podia ouvir em sua respiração o quão difícil aquilo estava sendo para ela. Cerca de uma semana depois de ter dito para não ir mais vê-la, me enviou uma mensagem que simplesmente dizia:

"Eu te amo."

 Fui preenchido por tantos sentimentos diferentes, mas respondi me expressando o mais simples possível:

"Também amo você."

Ela disse que queria ficar comigo e mal podia esperar até que pudesse me ver de novo. Disse que tinha sido liberada e agora se recuperava em casa. Estas trocas de mensagens prosseguiram por várias semanas, mas toda vez que perguntava se podia ir vê-la, recebia um "Em breve". Continuei insistindo e na semana seguinte ela disse que talvez poderia ir no próximo filme da meia-noite. Não conseguia acreditar, mas ela insistiu que tentaria. Recebi uma mensagem dela na tarde do filme dizendo:

"Te vejo hoje a noite."

Consegui que Ryan me levasse, pois os pais de Chris tinham descoberto sobre todo o acontecimento e disseram que eu não era mais bem vindo em sua casa. Expliquei para Ryan que ela poderia estar ainda um pouco mal, mas que eu me importava muito com seu bem estar então pedi que ele nos desse um pouco de espaço. Ele aceitou e fomos para lá.

Veronica não apareceu.

Tinha guardado um lugar para ela em meu lado, bem perto da saída, para que pudesse sair rapidamente se assim precisasse, mas dez minutos depois que o filme começou um homem sentou naquela cadeira. Eu sussurrei "Desculpe-me, mas estou guardando esse lugar," mas ele não respondeu; só ficou olhando para a tela. Me lembro de querer me mudar de lugar pois parecia haver algo de errado com a respiração daquele homem. Fiquei arrasado, percebendo que ela não viria.

Mandei uma mensagem para ela no dia seguinte perguntando se estava bem e porque não tinha aparecido no cinema. Ela respondeu como o que seria a última mensagem que me mandou. Ela simplesmente disse.
"Te verei de novo. Em breve."

Ela estava delirante e isso me deixava preocupado. Mandei várias respostas contando que o filme nem tinha sido tão bom assim mas nunca mais me respondeu. Nos dias seguintes fiquei muito triste. Não conseguia ligar para a casa dela pois não sabia o número e não tinha certeza sobre onde eles moravam hoje em dia. Comecei a ficar muito depressivo e minha mãe, que começara a ser muito legal comigo, perguntou se eu estava bem. Contei à ela que nunca mais conseguira falar com Veronica e vi todo o calor de sua pessoas sumir imediatamente.

"Como assim?"

"Ela devia ter se encontrado comigo ontem no cinema. Eu sei que faz só três semanas que foi atropelada, mas ela disse que tentaria ir e depois disso simplesmente parou de falar comigo. Ela deve me odiar."

Ela parecia confusa e conseguia ler em seu rosto que tentava ver se eu tinha simplesmente surtado. Quando viu que não, seus olhos ficaram cheios de água e me puxou, me abraçando. Ela começara a soluçar, mas isso parecia uma reação muito intensa para o meu problema  e eu não tinha nenhum motivo para acreditar que ela se sentia mal por Veronica. Ela respirou fundo e então disse algo que me deixo extremamente enjoado.

"Veronica está morta, querido. Ah Deus, achei que você soubesse. Ela morreu um dia depois que você a visitou pela última vez. Ah, amor, ela morreu faz semanas."

Ela estava chorando muito, mas sabia que não era por Veronica. Me soltei dela e dei alguns passos para trás. Minha mente girava. Isso não era possível. Eu troquei mensagens com ela ontem. Só conseguia pensar em uma pergunta.

"Então porque o celular dela ainda estava ligado?"

Ela continuou a chorar. Não me respondeu.

Explodi "PORQUE DEMOROU TANTO PARA QUE ELES DESLIGASSEM A PORRA DO CELULAR?!"

Ela quebrou a choradeira e sussurrou, "As fotos..."

Depois descobri que os pais dela achavam que o celular de Veronica tinha se perdido no acidente, mesmo que eu tinha colocado na bolsa dela na noite em que foi levada para o hospital. Quando foram recuperar os pertences, o celular não estava entre eles.  Eles pretendiam contatar a empresa da linha do telefone para desativar a linha, mas receberam um telefonema informando-os sobre uma acusação iminente de centenas de fotos que haviam sido enviadas aparto do telefone dela. Fotos. Fotos que foram enviadas para o meu celular. Fotos que nunca recebi pois meu celular não recebia imagens. Descobriram que foram enviadas na noite em que ela morreu.Então desativaram imediatamente.

Tentei não pensar nos conteúdos dessas fotos. Mas me lembro de me perguntar se eu estaria em alguma dessas.

Minha boca ficou seca e senti um desespero enorme quando me lembrei qual tinha sido a última mensagem que recebi do celular dela...


Te verei de novo. Em breve.

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